Vista à distância, a humanidade é uma coisa muito bonita, com uma larga e suculenta história, muita literatura, muita arte, filosofias e religiões em barda, para todos os apetites, ciência que é um regalo, desenvolvimento que não se sabe aonde vai parar, enfim, o Criador tem todas as razões para estar satisfeito e orgulhoso da imaginação de que a si mesmo se dotou. Qualquer observador imparcial reconheceria que nenhum deus de outra galáxia teria feito melhor. Porém, se a olharmos de perto, a humanidade (tu, ele, nós, vós, eles, eu) é, com perdão da grosseira palavra, uma merda. Sim, estou a pensar nos mortos do Ruanda, de Angola, da Bósnia, do Curdistão, do Sudão, do Brasil, de toda a parte, montanhas de mortos, mortos de fome, mortos de miséria, mortos fuzilados, degolados, queimados, estraçalhados, mortos, mortos, mortos. Quantos milhões de pessoas terão acabado assim neste maldito século que está prestes a acabar? (Digo maldito, e foi nele que nasci e vivo...) Por favor, alguém que me faça estas contas, dêem-me um número que sirva para medir, só aproximadamente, bem o sei, a estupidez e a maldade humana. E, já que estão com a mão na calculadora, não se esqueçam de incluir na contagem um homem de 27 anos, de profissão jogador de futebol, chamado Andrés Escobar, colombiano, assassinado a tiro e a sangue-frio, na célebre cidade de Medellín, por ter metido um golo na sua própria baliza durante um jogo do campeonato do mundo... Sem dúvida, tinha razão o Álvaro de Campos: «Não me venham com conclusões! A única conclusão é morrer». Sem dúvida, mas não desta maneira.
José Saramago, in 'Cadernos de Lanzarote (1994)'
"Viver é uma peripécia. Um dever, um afazer, um prazer, um susto, uma cambalhota. "
"Que tempo é o nosso? Há quem diga que é um tempo a que falta amor. Convenhamos que é, pelo menos, um tempo em que tudo o que era nobre foi degradado, convertido em mercadoria. A obsessão do lucro foi transformando o homem num objecto com preço marcado. Estrangeiro a si próprio, surdo ao apelo do sangue, asfixiando a alma por todos os meios ao seu alcance, o que vem à tona é o mais abominável dos simulacros."
Eugénio de Andrade em "Os Afluentes do Silêncio"
A única salvação do que é diferente é ser diferente até o fim, com todo o valor, todo o vigor e toda a rija impassibilidade; tomar as atitudes que ninguém toma e usar os meios de que ninguém usa; não ceder a pressões, nem aos afagos, nem às ternuras, nem aos rancores; ser ele; não quebrar as leis eternas, as não-escritas, ante a lei passageira ou os caprichos do momento; no fim de todas as batalhas — batalhas para os outros, não para ele, que as percebe — há-de provocar o respeito e dominar as lembranças; teve a coragem de ser cão entre as ovelhas; nunca baliu; e elas um dia hão-de reconhecer que foi ele o mais forte e as soube em qualquer tempo defender dos ataques dos lobos.
Agostinho da Silva, in 'Diário de Alcestes'
Gosto de ti :)
"Foi a doença e o hospital, que por várias vezes pontuaram a minha vida, que me fizeram conhecer a vida e o trabalho da enfermagem. As horas intermináveis de serviço, a atenção cuidada aos doentes, a capacidade de sorrir e animar um paciente mesmo quando o cansaço já se lhe adivinha nos olhos. A atenção profissional aos sinais clínicos, às campainhas, aos gemidos de dor, a insónia para que aqueles que cuidam possam descansar, os actos clínicos cautelosos, explicados, rigorosos, cumprindo-se enquanto profissionais e cidadãos. São a parte mais decisiva de toda a organização do sistema de saúde. Nas suas mãos morrem muitos. Das suas mãos renascem para a vida muitos mais, enquanto o médico chega ou não chega. São o verdadeiro sangue da vida hospitalar. O apoio primeiro. O primeiro olhar. E, por vezes, a última palavra. São homens e mulheres com as mãos mergulhadas na dimensão maior da sua existência, reparando, tratando, cuidando de doentes, de convalescentes, de moribundos. Nunca lhes agradeceremos tudo aquilo que merecem, centrado que está o olhar nas decisões do médico. Mas são a essência das nossas expectativas de sobrevivência quando nos confrontamos com a doença.”
Francisco Moita Flores
“Quando ficamos muito cansados para continuar a lutar, desistimos. É aí que o verdadeiro trabalho começa. Encontrar esperança onde parece não existir nada.”
Anatomia de Grey
Não entendo os silêncios
que tu fazes
nem aquilo que espreitas
só comigo
Se escondes a imagem
e a palavra
e adivinhas aquilo
que não digo
Se te calas
eu oiço e eu invento
Se tu foges
eu sei não te persigo
Estendo-te as mãos
dou-te a minha alma
e continuo a querer
ficar contigo
Maria Teresa Horta
"Na pediatria não há adultos em miniatura, há crianças.Acreditam em magia, fazem de conta que há um pó mágico no soro deles, têm esperança, cruzam os dedos e fazem pedidos. E por isso, são mais resistentes que os adultos, recuperam mais rápido, sobrevivem a coisas piores. Eles acreditam. Na pediatria temos milagres e magia. Na pediatria, tudo é possível."
Anatomia de Grey
"Fazemos planos para o futuro e tentamos desvendá-lo, como se desvendá-lo fosse aliviar o impacto. Mas o futuro está sempre a mudar. O futuro é o lar dos nossos medos mais profundos e das nossas maiores esperanças. Mas uma coisa é certa, quando ele finalmente se revela, o futuro... nunca é da maneira como o imaginámos."
Anatomia de Grey
"Às vezes quanto à obrigação que nós mais tememos percebemos que não vale a pena fugir."
Anatomia de Grey
"Cada dia é sempre diferente dos outros, mesmo quando se faz aquilo que já se fez. Porque nós somos sempre diferentes todos os dias, estamos sempre a crescer e a saber cada vez mais, mesmo quando percebemos que aquilo em que acreditávamos não era certo e nos parece que voltámos atrás. Nunca voltamos atrás. Não se pode voltar atrás, não se pode deixar de crescer sempre, não se pode não aprender. Somos obrigados a isso todos os dias. Mesmo que, às vezes, esqueçamos muito daquilo que aprendemos antes. Mas, ainda assim, quando percebemos que esquecemos, lembramo-nos e, por isso, nunca é exactamente igual.
— Porquê, pai?
— Porque a memória não deixa que seja igual, mesmo que seja uma memória muito vaga, mesmo que seja só assim uma espécie de sensação muito vaga. É que a memória não é sempre aquilo que gostaríamos que fosse. Grande parte dos nossos problemas estão na memória volúvel que possuímos. Aquilo que é hoje uma verdade absoluta, amanhã pode não ter nenhum valor. Porque nos esquecemos, filho. Esquecemos muito daquilo que aprendemos. E cansamo-nos. E quando estamos cansados, deixamos de aprender. Queremos não aprender por vontade. Essa é a nossa maneira de resistir, mais ou menos, àquilo que nos custa entender. E aquilo que nos custa entender pode ter muitas formas, pode chegar de muitos lugares.
— Porquê, pai?
— Porque nos parece que é assim. Mas talvez não seja assim. Aquilo que nos custa entender é sempre uma surpresa que nos contradiz. Então, procuramos convencer-nos das mais diversas maneiras, encontramos as respostas mais elaboradas e incríveis para as perguntas mais simples. E acreditamos mesmo nelas, queremos mesmo acreditar nelas e somos capazes. Somos mesmo capazes. Não imaginas aquilo em que somos capazes de acreditar.
— Porquê, pai?
— Porque temos de sobreviver. Porque, à noite, a esta hora, temos de encontrar força para conseguirmos dormir, descansar, e temos de acreditar que no dia seguinte poderemos acordar na vida que quisemos, que desejámos. Temos de acreditar que poderemos acordar na vida que conseguimos construir e que essa vida tem valor, vale a pena. Muito mais difícil do que esse esforço é considerarmos que fomos incapazes, que não conseguimos melhor, que a culpa foi nossa, toda e exclusiva."
José Luís Peixoto, in 'Abraço
"O sonho é a pior das cocaínas, porque é a mais natural de todas. Assim se insinua nos hábitos com a facilidade que uma das outras não tem, se prova sem se querer, como um veneno dado. Não dói, não descora, não abate – mas a alma que dele usa fica incurável, porque não há maneira de se separar do seu veneno, que é ela mesma."
Fernando Pessoa, in 'Livro do Desassossego'
"A competição é uma briga de leões, por isso anima-te, ergue os teus ombros, anda com orgulho, pomposamente, não lambas as tuas feridas, celebre-as. As cicatrizes que tens são sinais de uma competidora. Tu estás numa batalha de leões. Só porque não ganhaste, não significa que não saibas rugir."
Anatomia de Grey
Abraça-me. Quero ouvir o vento que vem da tua pele, e ver o sol nascer do intenso calor dos nossos corpos. Quando me perfumo assim, em ti, nada existe a não ser este relâmpago feliz, esta maçã azul que foi colhida na palidez de todos os caminhos, e que ambos mordemos para provar o sabor que tem a carne incandescente das estrelas. Abraça-me. Veste o meu corpo de ti, para que em ti eu possa buscar o sentido dos sentidos, o sentido da vida. Procura-me com os teus antigos braços de criança, para desamarrar em mim a eternidade, essa soma formidável de todos os momentos livres que a um e a outro pertenceram. Abraça-me. Quero morrer de ti em mim, espantado de amor. Dá-me a beber, antes, a água dos teus beijos, para que possa levá-la comigo e oferecê-la aos astros pequeninos.
Só essa água fará reconhecer o mais profundo, o mais intenso amor do universo, e eu quero que delem fiquem a saber até as estrelas mais antigas e brilhantes.
Abraça-me. Uma vez só. Uma vez mais.
Uma vez que nem sei se tu existes.
Joaquim Pessoa, in 'Ano Comum'
É aquilo que mais gosto de oferecer!
Abracinhos a vocês (sabem quem são)
Sinto-me impotente. Tudo aquilo que me foi ensinado no curso está muito aquém daquilo que eles precisam. Ao mesmo tempo, sinto-me demasiado imatura para conseguir assegurar as necessidades que lhe poderão trazer bem-estar.
Preciso de água, calor e tempo. Preciso que a água esteja bem nutrida, se entranhe no meu cale e me traga a sabedoria. Não me quero sentir inútil.
Agora que sinto amor
Tenho interesse no que cheira.
Nunca antes me interessou que uma flor tivesse cheiro.
Agora sinto o perfume das flores como se visse uma coisa nova.
Sei bem que elas cheiravam, como sei que existia.
São coisas que se sabem por fora.
Mas agora sei com a respiração da parte de trás da cabeça.
Hoje as flores sabem-me bem num paladar que se cheira.
Hoje às vezes acordo e cheiro antes de ver.
Alberto Caeiro, in "O Pastor Amoroso"
Heterónimo de Fernando Pessoa
"Sempre que assistimos ao nascimento de um bebé, nasce também um pai e uma mãe"
A. Enfermeira Especialista em Obstetrícia
Queixas-te porque não encontras nada a teu gosto?
São então sempre os teus velhos caprichos
Ouço-te praguejar, gritar e escarrar...
Estou esgotado, o meu coração despedaça-se.
Ouve, meu caro, decide-te livremente.
A engolir um sapinho bem gordinho,
De uma só vez e sem olhar.
É remédio soberano para a dispepsia.
Friedrich Nietzsche, in "A Gaia Ciência"
Naquele preciso momento o homem disse:
«O que eu daria pela felicidade
de estar ao teu lado na Islândia
sob o grande dia imóvel
e de repartir o agora
como se reparte a música
ou o sabor de um fruto.»
Naquele preciso momento
o homem estava junto dela na Islândia.
Tradução de Fernando Pinto do Amaral
“Lembrar-me de que todos estaremos mortos em breve é a ferramenta mais importante que encontrei para me ajudar a fazer as grandes escolhas na vida”
Steve Jobs in Jornal Público
Vi nos teus olhos uma pérola
Mergulhada num mar de rosas
Escondido no teu peito havia um soluço
Um pedido de ajuda
Carinho, amor, afecto
Foi o teu silêncio que me mostrou o sofrimento
Que por vezes nos pega desprevenidos
Desarmados
Sem capacidade de fazermos alguma coisa
Um só acto apenas
Tentar no fundo dos teus olhos
E de muitos outros como tu
Que apelam somente com o olhar.
Um olhar que a humanidade teria ouvido
E percebido
O engolido grito
Desse apelo oculto
Que é o desespero
De quem vai mas quer ficar.
A sociedade não ouve
Mas ainda está a tempo de perceber esse sinal
E tentar uma mudança para salvar
Sem desperdiçar a tentativa
Nem ficar impassível para mais tarde lamentar
E dizer “ Se eu soubesse…”
Se eu pudesse
E pode!
Maria José Dias
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